O cientista político Frederico Normanha Ribeiro de Almeida fez, em sua tese de doutorado para Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), uma radiografia inédita da justiça brasileira e identificou que a instituição é controlada por uma espécie de casta que forma alianças entre si, disputa espaço, cargos e poder dentro da administração do sistema Judiciário do País.
Não por acaso, seu trabalho foi batizado de: “A nobreza togada: as elites jurídicas e a políticas da Justiça no Brasil”.
1 – Quais são as elites jurídicas?
A primeira é a elite institucional, composta por cargos oficiais de liderança, como os presidentes de Tribunais, os presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os chefes do Ministério Público. Já as elites associativas representam os líderes de associações de magistrados, de associações do Ministério Público e também alguns dirigentes da OAB. Por fim, estudei as elites intelectuais, grupos de estudiosos que têm influência na administração e na reforma da Justiça brasileira.
2 – Qual o perfil dessas elites?
Em geral, são pessoas de famílias tradicionais no meio jurídico ou de classe média ascendente, que já está em sua segunda geração de universitários. Eles vêm de algumas poucas faculdades de prestígio e, normalmente, são homens.A família conta muito e ser filho de alguém que já teve posição de destaque na Justiça é importante. Identifiquei três ministros do Superior Tribunal de Justiça que são filhos de ex-ministros do Supremo Tribunal Federal.
3 – Mas a maioria dos cargos são ocupados por concursos. Como explicar o fato de essas elites se perpetuarem?
A introdução dos concursos públicos nas carreiras jurídicas democratizou bastante a base do sistema, mas no topo pouca coisa mudou, pois para selecionar essas elites não há critério de concurso público. O critério de seleção é a indicação política e também o prestígio. Esses grupos têm relações de poder que garantem essas posições, e qualquer mudança vai acabar passando pela aprovação destas mesmas elites.
4 – O que leva a esse fenômeno?
Esse fenômeno é comum a qualquer grande organização. Toda vez que uma organização se expande ela tende a formar elites, isso ocorre com partidos, sindicatos, igrejas e universidades.
5 – O que poderia ser feito para acabar com essa elite?
Quanto mais objetivo for o critério de seleção maior a chance de se ter uma renovação, mas só a mudança da regra institucional não garante isso. As mudanças podem começar por meio de algumas novas elites, que têm pressionado por esse espaço político. Esse novo grupo representa aquele juiz que entrou pelo concurso ou aquele advogado da base. Com isso, começa a pressão para que haja renovação, mas elite não vai deixar de existir, o que pode existir é uma nova elite.
6 – É possível afirmar que a Justiça brasileira é pouco democrática?
A expansão do ensino jurídico, a expansão do número de faculdades e a criação dos concursos públicos conseguiram democratizar a base do sistema Judiciário brasileiro, mas na cúpula pouca coisa mudou. Os juízes de primeira instância reclamam por uma mudança na composição dos Tribunais Superiores. Se eles emplacarem essa luta é maior a chance de mudança. É preciso haver um conflito e a democratização passa por esse conflito.
Não por acaso, seu trabalho foi batizado de: “A nobreza togada: as elites jurídicas e a políticas da Justiça no Brasil”.
1 – Quais são as elites jurídicas?
A primeira é a elite institucional, composta por cargos oficiais de liderança, como os presidentes de Tribunais, os presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os chefes do Ministério Público. Já as elites associativas representam os líderes de associações de magistrados, de associações do Ministério Público e também alguns dirigentes da OAB. Por fim, estudei as elites intelectuais, grupos de estudiosos que têm influência na administração e na reforma da Justiça brasileira.
2 – Qual o perfil dessas elites?
Em geral, são pessoas de famílias tradicionais no meio jurídico ou de classe média ascendente, que já está em sua segunda geração de universitários. Eles vêm de algumas poucas faculdades de prestígio e, normalmente, são homens.A família conta muito e ser filho de alguém que já teve posição de destaque na Justiça é importante. Identifiquei três ministros do Superior Tribunal de Justiça que são filhos de ex-ministros do Supremo Tribunal Federal.
3 – Mas a maioria dos cargos são ocupados por concursos. Como explicar o fato de essas elites se perpetuarem?
A introdução dos concursos públicos nas carreiras jurídicas democratizou bastante a base do sistema, mas no topo pouca coisa mudou, pois para selecionar essas elites não há critério de concurso público. O critério de seleção é a indicação política e também o prestígio. Esses grupos têm relações de poder que garantem essas posições, e qualquer mudança vai acabar passando pela aprovação destas mesmas elites.
4 – O que leva a esse fenômeno?
Esse fenômeno é comum a qualquer grande organização. Toda vez que uma organização se expande ela tende a formar elites, isso ocorre com partidos, sindicatos, igrejas e universidades.
5 – O que poderia ser feito para acabar com essa elite?
Quanto mais objetivo for o critério de seleção maior a chance de se ter uma renovação, mas só a mudança da regra institucional não garante isso. As mudanças podem começar por meio de algumas novas elites, que têm pressionado por esse espaço político. Esse novo grupo representa aquele juiz que entrou pelo concurso ou aquele advogado da base. Com isso, começa a pressão para que haja renovação, mas elite não vai deixar de existir, o que pode existir é uma nova elite.
6 – É possível afirmar que a Justiça brasileira é pouco democrática?
A expansão do ensino jurídico, a expansão do número de faculdades e a criação dos concursos públicos conseguiram democratizar a base do sistema Judiciário brasileiro, mas na cúpula pouca coisa mudou. Os juízes de primeira instância reclamam por uma mudança na composição dos Tribunais Superiores. Se eles emplacarem essa luta é maior a chance de mudança. É preciso haver um conflito e a democratização passa por esse conflito.
7 – O motivo de as elites serem compostas por alunos de faculdades tradicionais não se explicaria pelo fato de essas escolas prepararem melhor seus alunos?
Não dá para dizer isso. Na hora de escolher um membro da elite não é aplicada nenhuma prova objetiva para avaliar esse conhecimento. As faculdades surgidas na época do Império, no começo da República, as faculdades católicas que surgiram nos anos 40 e 50 e algumas públicas que surgiram na década de 60 são as que conseguiram colocar alunos nesse nível das elites. A partir dos anos 60 e 70 houve uma massifi cação grande e os alunos formados nessa fase não chegaram lá. Mas essas faculdades de menor prestígio aprovam um número considerável de alunos no Ministério Público e na magistratura. Não é tanto uma questão da formação técnica, mas do prestígio da faculdade. A tradição da escola conta independente do conhecimento.
8 – Qual a influência dessas elites?
No campo político essas elites interagem em relativa igualdade para determinar o que vai ser e como irá se conduzir a Justiça. As associações de juízes tentam indicar um nome para um assento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os especialistas em direito processual são sempre os mesmos consultados para discutir as reformas.
9 – Esse modelo atual atrapalha?
Essas elites têm uma visão da Justiça que nem sempre coincide com quem está no dia a dia, como o advogado e o juiz de primeira instância. Então, em termos de concepção pode haver um prejuízo. Outra limitação é que qualquer mudança mais radical pode ficar bloqueada. A própria reforma do Judiciário, proposta em 1992, era um projeto mais democratizante, que visava uma mudança mais radical, mas ficou 13 anos no Congresso e só foi aprovada quando foram excluídos os tópicos que mexeriam na estrutura de poder da Justiça.
10 – Como você vê a questão da mulher neste meio?
Estima-se que na advocacia e na Defensoria Pública existam muito mais mulheres que homens. Na magistratura já tem muita mulher e isso é crescente. Mas as mulheres não chegam às elites, e isso não é uma questão de geração, elas não chegam por barreiras sociais, políticas e discriminação mesmo. O que, infelizmente, não é muito diferente do que ocorre no resto da sociedade.
Não dá para dizer isso. Na hora de escolher um membro da elite não é aplicada nenhuma prova objetiva para avaliar esse conhecimento. As faculdades surgidas na época do Império, no começo da República, as faculdades católicas que surgiram nos anos 40 e 50 e algumas públicas que surgiram na década de 60 são as que conseguiram colocar alunos nesse nível das elites. A partir dos anos 60 e 70 houve uma massifi cação grande e os alunos formados nessa fase não chegaram lá. Mas essas faculdades de menor prestígio aprovam um número considerável de alunos no Ministério Público e na magistratura. Não é tanto uma questão da formação técnica, mas do prestígio da faculdade. A tradição da escola conta independente do conhecimento.
8 – Qual a influência dessas elites?
No campo político essas elites interagem em relativa igualdade para determinar o que vai ser e como irá se conduzir a Justiça. As associações de juízes tentam indicar um nome para um assento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os especialistas em direito processual são sempre os mesmos consultados para discutir as reformas.
9 – Esse modelo atual atrapalha?
Essas elites têm uma visão da Justiça que nem sempre coincide com quem está no dia a dia, como o advogado e o juiz de primeira instância. Então, em termos de concepção pode haver um prejuízo. Outra limitação é que qualquer mudança mais radical pode ficar bloqueada. A própria reforma do Judiciário, proposta em 1992, era um projeto mais democratizante, que visava uma mudança mais radical, mas ficou 13 anos no Congresso e só foi aprovada quando foram excluídos os tópicos que mexeriam na estrutura de poder da Justiça.
10 – Como você vê a questão da mulher neste meio?
Estima-se que na advocacia e na Defensoria Pública existam muito mais mulheres que homens. Na magistratura já tem muita mulher e isso é crescente. Mas as mulheres não chegam às elites, e isso não é uma questão de geração, elas não chegam por barreiras sociais, políticas e discriminação mesmo. O que, infelizmente, não é muito diferente do que ocorre no resto da sociedade.
Por Raquel Maldonado | Folha Universal