Concorrência desleal

Uma verdadeira revolução ocorreu na mesa dos brasileiros nos últimos 30 anos. Pesquisa recente do Insituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou queda de 41% no consumo de arroz (passando de 24,6 quilos anuais para 14,6 quilos) e de 27% no de feijão (de 12,4 quilos para 9,1 quilos por ano) e aumento nas vendas de produtos como refrigerantes de cola, que cresceram 40%. Esses dados endossam outra pesquisa do IBGE divulgada no segundo semestre de 2010, que mostra que o País vem sofrendo uma epidemia de obesidade. Atualmente, o sobrepeso atinge 30% das crianças entre 5 e 9 anos, 20% da população de 10 a 19 anos e, entre os adultos, o dado fica ainda mais estarrecedor: 48% das mulheres e 50,1% dos homens estão obesos.

“Estamos passando por uma epidemia de obesidade. E a mudança do hábito alimentar é a principal causa dessa situação de risco,”, garante o médico Carlos Augusto Monteiro, coordenador científico do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP). Segundo ele, a troca de alimentos tradicionais como arroz, feijão, carne, leite, ovos, verduras e frutas, por alimentos industrializados prontos para consumo “favorece não só a obesidade, mas doenças crônicas como diabete, doenças cardiovasculares e vários tipos de câncer”.

Em contrapartida, institutos como a própria FSP, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Sindicato de Nutricionistas lançaram a Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos. “É necessário que o governo regule as propagandas e faça campanhas tanto para preservar os hábitos de quem ainda come bem, quanto para reverter esse quadro negativo, mostrando quão mal essas comidas podem fazer. Essa alimentação não prejudica apenas as pessoas, mas traz também gastos enormes e desnecessários à saúde pública”, diz Monteiro.

O Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília pesquisou, durante 1 ano, 20 horas por dia, a programação de canais abertos e fechados de TV e chegou à conclusão que 72% dos comerciais de alimentos veiculam mensagens para o consumo de produtos com altos teores de gorduras, açúcares ou sal. “Essas propagandas mostram um direcionamento nítido para as crianças, no sentido de estimular o consumo e formar hábitos alimentares não saudáveis, principalmente quando incluem figuras infantis para atrair a atenção”, sublinha a professora Elisabetta Recine, uma das coordenadoras da pesquisa, ligada à Frente.

A luta é pela proibição de comerciais enganosos ou que se valem da inocência dos pequenos. “A publicidade é ato puramente comercial, e não manifestação do pensamento, criação ou informação. O termo ‘liberdade de expressão comercial’, que vem sendo repetido pelos representantes do mercado publicitário, não faz sentido. Proibir esse tipo de publicidade não é censura”, defende Vidal Serrano Junior, promotor do Ministério Público de São Paulo.

Decifra-me
Uma forma de escapar dos produtos mais nocivos à saúde é ler com atenção a tabela nutricional presente nos rótulos dos produtos (aprenda a decifrar a tabela na página 18). De acordo com uma pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Embalagens (Abre), 82% das donas de casa disseram ler os rótulos dos alimentos, mas apenas 39% delas o fazem com frequência.
Uma pesquisa realizada pelo instituto Toledo & Associados em parceria com a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em 2006 mostrou que o prato favorito dos brasileiros ainda é arroz, feijão, carne e salada em todas as regiões do País e independente da classe social: mais de 90% das 2,1 mil pessoas ouvidas disseram preferir a dupla arroz e feijão no almoço. Mas apenas 18% declarou comer legumes e 30% agrega salada ao prato.

A Organização Mundial de Saúde recomenda que uma pessoa consuma, diariamente, cinco unidades de frutas ou legumes ao dia, para suprir as necessidades diárias de nutrientes do corpo.

Para que isso se torne realidade,já existem profissionais tomando atitudes. Como além da falta de tempo para o preparo, há quem diga que os preços também influem na má alimentação do brasileiro, a Faculdade de Saúde Pública da USP propôs outra ideia: promover uma política de isenção de impostos para alimentos saudáveis e maiores taxas para alimentos não saudáveis.

Um dos autores do estudo que analisou a influência do preço na hora da compra, o nutricionista Rafael Moreira Claro, afirma que se o preço de frutas e hortaliças caísse 10%, o consumo destes alimentos aumentaria em quase 8%. “Se uma pessoa quiser ingerir mil calorias comendo apenas estes alimentos, precisaria de quase R$ 4,50 enquanto,hipoteticamente, poderia conseguir a mesma quantidade de calorias ingerindo açúcar com apenas R$ 0,30”, explica o nutricionista. A mesma pesquisa englobou refrigerantes e sucos adoçados e mostrou que, com um aumento de preço de 10%, o consumo desses produtos cairia 8,4%. “O refrigerante não causa a obesidade sozinho, mas sua relação com a doença é evidente”, aponta Moreira Claro.
“É muito importante ler e entender o rótulo e a tabela nutricional. Além de observar a quantidade de calorias, verifi que se o alimento contém vitaminas, minerais e fibras, que são essenciais para a nossa saúde, e fique atento à presença de compostos que podem ser prejudiciais ao organismo quando consumidos em excesso, como o sódio e as gorduras saturadas e trans.

Quanto maiores as quantidades de açúcares, sódio, gorduras e corantes, mais comprometida estará a qualidade nutricional do alimento”, explica a nutricionista Aline Ladeira de Carvalho Lopes, fiscal da Comissão de Formação Profissional do Conselho Regional de Nutricionistas – 3ª Região. “Além disso, os rótulos auxiliam os portadores de algumas doenças crônicas na escolha do que irão consumir”, orienta.

Fora de casa
Além de mudanças nas compras, comer na rua se tornou um hábito,principalmente nas grandes metrópoles. “Antigamente, a população comia em casa, mas hoje em dia as pessoas fazem refeição em trânsito, na rua, no fast food, e isso as leva para alimentos rápidos e pouco saudáveis”, diz Denise Resende, gerente-geral de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Gosto de comer arroz, feijão e carne em casa, mas, quando estamos na rua, com pressa, acabamos recorrendo a lanches mesmo”, diz Maria Eunice Firmino, 59 anos, cozinheira aposentada, que acompanhava os sobrinhos Lucas e Jonata em um cachorro-quente no terminal rodoviária da Barra Funda, em São Paulo.

“Sofri problemas de alimentação, não conseguia mais comer direito. Tive uma anemia muito forte, fui parar no hospital, precisei receber sangue. Quase morri. Hoje em dia, faço questão de comer bem”, conta. “Mas a molecada gosta de lanche. Se deixar, só comem isso, coxinha, salgadinho”.

Já o vendedor de cachorro-quente Antônio de Fátimo Diberaldino, de 56 anos, diz que come na rua há cerca de 20 anos e gosta. “A vida na capital é assim mesmo, a gente come o que dá pra comer: lanche, um salgadinho, pão de queijo, ou passa em um restaurante e come um prato”, diz. Por enquanto, a saúde dele vai bem. “Fiz os exames de pressão, triglicérides, colesterol, e está tudo certo”, afi rma. “Desde pequena eu sou gordinha. Em 2004, descobri que tinha uma disfunção na tireoide. Venho lutando contra esse problema, e também contra a diabete e a pressão alta. Só vou me livrar dessas doenças emagrecendo”, diz a assistente administrativa Rita de Cássia, 40 anos.

“Gosto mesmo é de arroz, feijão, salada de tomate e chuchu e um grelhado”, esclarece.

Mas se os brasileiros gostam tanto do tradicional prato nacional, por que há diminuição no consumo destes produtos?

“A queda vem acontecendo desde o fim dos anos 60. Em 1962, o consumo per capita de feijão, por exemplo, era de 27 quilos anuais, e atualmente é de 9 quilos. Um dos motivos que influenciou na queda do consumo foi a entrada das mulheres no mercado de trabalho, que passaram a cozinhar menos em casa. Além disso, é trabalhoso cozinhar feijão, por exemplo, toma muito tempo”, explica o técnico de planejamento de mercado de feijão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), João Ruas.

Por Kátia Mello | Folha Universal

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